Quarta feira, dia 21 do mês de maio de 2008, estaremos nos apresentando em Passo Fundo. Cidade de pessoas por nós muito queridas (algumas não; óbvio), mas a grande maioria sim. Enfim, não se vive impunemente os prazeres de uma vida no interior, onde é bem provável conhecer todas as pessoas que produzam algum tipo de ruído, harmonioso ou não, mas que de qualquer forma se fazem presentes; além do mais, o conflito é necessário. É no conflito que são expostas as idéias dos omissos, daqueles que nunca manifestam opinião alguma, a não ser, quando não há alternativa senão vomitar tudo o que pensam.
Mas não é pra falar desses assuntos belicosos que eu interrompo meu mantra e redijo essas linhas. Vou falar um pouco sobre o dia em que saí de Passo Fundo (eu=Ricardo), pra morar em Porto Alegre.
Foi cedo, sete horas da manhã o caminhão de mudanças estava a postos na frente da casa dos meus pais. Tudo estava previamente encaixotado, enrolado, amarrado, empilhado, então foi rápido o embarque das bugigangas. Meus pais moravam em Chapecó e nesse dia só meu pai tava pra dar uma mão. Um breve abraço no velho e algumas lágrimas; mas não muitas. Fomos, o motorista e eu, pra segunda parada das três previstas: a casa do Criba, o baixista da minha banda na época.
Minto! O Criba já estava na casa dos meus pais quando o caminhão chegou. Fui buscá-lo antes. Exalava cachaça, o rapaz. Fez uma despedida e tanto. Durou a noite toda e o cheiro acre do álcool que evaporava lentamente por seus poros pra entrar com violência nas minhas narinas, parecia mais uma alma que recusa deixar o corpo do morto.
É importante a informação que nessa época eu tocava na BrancoLarera, portanto, o Miglú, no nosso imaginário, gozava de uma vida plena de prazeres na capital: mulheres de diversas etnias, shows semanais ET Cetera... Ele migrou pra Porto Alegre com a banda Rabo de Peixe seis meses antes.
Ficamos um ano inteiro nos preparando pra essa aventura. A preparação consistiu em gravar um disco e finalizar todos os detalhes que isso comporta: uma capa, a prensagem, mixagem, masterização e o diabo. Tudo finalizado: o apartamento em Porto Alegre alugado; alguns relacionamentos amorosos desfeitos; estávamos prontos. Só nos restava partir. E partimos.
A última parada foi na cidade de Casca, pra pegar o Reynaldo, sua bateria, alguns outros objetos de utilidade doméstica e, seus vinis, isso sim, de suma importância. O Sr. Flauri, pai do Reynaldo, nos presenteou com dois garrafões de vinho colonial de sua adega particular recomendando-nos beber com parcimônia, o que não deixa de ser um delírio paterno. Mais abraços e lágrimas; mas não muitas.
Agora sim; on the Road.
Pra economizarmos nas passagens e termos o que comer nos primeiros dias, decidimos que apenas um integrante da banda teria o conforto de um ônibus com ar condicionado e a possibilidade de uma bela garota sentar ao seu lado. E esse abençoado foi o Tucum, o vocalista. Óbvio; sempre o vocalista. Pro resto (Criba, Reynaldo e Eu), sobrou a vista panorâmica da estrada pela cabina do caminhão, onde cabiam três pessoas confortavelmente e, quatro, com uma boa logística. Entre cotoveladas, câimbras, e membros adormecidos fizemos uma boa viagem.
O motorista estava longe de ser uma bela garota, mas era simpático. Ele também não conhecia Porto Alegre, mas não importa. Chegamos bem, na medida do possível. Ficamos os três primeiros dias sem luz, mas foram apenas três. Gostamos de Porto Alegre, brigamos em Porto Alegre, embriagamo-nos em Porto Alegre, sorrimos e sonhamos em Porto Alegre. E tudo isso está em nossas canções. E tudo isso é Severo em Marcha. E algumas lágrimas; mas não muitas.
Ricardo Sabadini
Porto Alegre, 20 de maio de 2008.
2 comentários:
É ... hoje eu choro menos do que quando morava com meu pai.
Mas não chorei ao me despedir dele, só dei um beijo, ele ainda dormia ..., e não fez questão de me ajudar na mudança.
Gostei muito do texto.
e nem te dei oi no show, só de vergonha.
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