terça-feira, 24 de maio de 2011

Divina Digital Comédia

Quando o despertador do meu celular irrompe escandalosamente com uma música monofônica horrorosa, todos os dias às seis horas da manhã, eu penso na Divina Comédia de Dante. Não é rara a vez que tenho sonhos inquietantes, e quando isso acontece, meu Samsung GT atua no papel de Virgílio, resgatando-me do inferno. Como fico feliz e aliviado quando soa a horrenda música nesses momentos de terror! Acordo assustado, pego o aparelho que brilha e vibra na mesinha de cabeceira, desligo o som e começo o meu dia.

Mas, há vezes em que o sonho me apraz e tudo é maravilhoso, leve, lindo, colorido; e vem Virgílio com a maldita corneta; nesses momentos desejo espancar o poeta. Acordo frustrado, pego o aparelho que se agita na mesinha de cabeceira, aciono a função “soneca” e durmo mais uns cinco minutos, só de birra.

Contudo, dificilmente acordo de mau humor. E estou disposto a ver o centro de Porto Alegre mudar de cor todas as manhãs. Se não há nuvens no céu, a luz do sol nascente faz com que os prédios fiquem dourados. Havendo poucas nuvens, estas assumem a cor rosa, e todo o centro também se pinta de rosa. E não faltam dias cinzentos, repletos de nuvens carregadas, raios e trovões. Essas cores estão presentes nas ilustrações de antigas edições da Divina Comédia, feitas pelo inglês William Blake e o francês Gustave Doré. São ilustrações fantásticas e impressionantes; tão fantásticas quanto as manhãs porto-alegrenses e tão impressionantes quanto os meus sonhos. Continuarei por muito tempo contando com o despertar monofônico e horroroso do meu Virgílio pós-pago. Só não posso esquecer-me de recarregar as baterias do poeta, ou meu dia será um inferno de atraso.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011


Fúria. Sempre conheci a palavra, a grafia. Pensava que já havia sentido a fúria. Estava enganado. Nunca fiquei furioso; até ontem. Quando baixei os olhos e abandonei o livro no sofá, as minhas mãos tremiam. Nunca pensei que um dia seria ferido por papel e tinta. O meu estômago doía. Comecei a suar. Era nítida a imagem dele na minha mente. Os óculos com armação grossa. Os poucos cabelos acentuando os olhos esbugalhados de camaleão. Eu senti a presença dele. Fui buscar um copo d'água na cozinha; me sentia um pouco tonto. A dor aumentou, e na porta da cosinha comecei a tremer, tremer intensamente. Maldito! Maldito! Não consegui segurar o choro, as lágrimas queimavam o meu rosto. A tremedeira ficou incontrolável, e eu via ele. Aqueles olhos estrábicos apontavam para lados opostos. A boca articulou as primeiras palavras e o cheiro do tabaco explodiu nas minhas narinas. Ele estava perto, e eu tinha apenas uma chance... Maldito! Maldito!

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

TOMA! TOMA! TOMA!

E o cara foi cair a dois passos de distância, ainda com a surpresa nos olhos arregalados. Foi tudo muito rápido: UM! DOIS! TRÊS! A pessoa que cai em câmera lenta percebe que passou dos limites, ou, descobre que há algum limite, ou, pensa que o espancador é um colono imbecil, desequilibrado mental, que não sabe argumentar, e é nocivo à sociedade, e aos seus futuros filhos, e amigos, e colegas de profissão, e... porque sou o fulano... te fiz o favor de... esse é o meu pedaço... a minha cidade... PRENDAM O MALDITO FILHO DA PUTA!

Mas não agora.

Agora, ele cai. Ele cai sem pressa, pesado, com a surpresa nos olhos arregalados, como numa revelação, uma epifania, um cagalhão que bate na água da privada: PLOFT!

domingo, 2 de janeiro de 2011

Eis a nova página
Contando a velha história

Pois, o ano, quando passa
Repousa na memória

Figura muda e inexata
De papagaio de pirata

Em barriga de jiboia.