segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Rua 25 de Novembro

A água batia forte. Pingos grossos e pesados explodiam com violência, abalando a frágil estrutura do guarda-chuva. Não havia andado cinquenta metros e já estava todo ensopado. A situação era essa: chuva, vento, e um cidadão morrendo de frio subindo uma lomba na cidade X.

Até aquele momento, não havia dado conta que sempre morei em lombas. Em todos os meus endereços anteriores haviam ladeiras. Seguia morro acima contra a chuva, quando tive um insight: Moradores de ruas íngremes são, potencialmente, pessoas perigosas. Especialmente se residem por muitos anos no local. Elas têm uma resistência adquirida pela vivência no terreno hostil. De uma lomba, tanto pode sair um líder político, como um psicopata. Obstinados!

Nunca fui líder político, tampouco psicopata. Mas, com certeza, fui um cara que subia uma rua durante uma tempestade, desprotegido por um produto chinês que era qualquer coisa, menos um guarda-chuva.

No entanto, a lomba sempre esteve ali, com o seu nome de data desconhecida: 25 de Novembro. Nos dias de sol intenso a cidade X era o inferno; a lomba, o meu castigo. Quando chovia, era especialmente perigoso caminhar até a Av. Brasil, lá no alto da rua.

Logo alcancei a terceira quadra, passando pelas ruas que cortam a 25 de Novembro - Gen. Osório e Independência. A primeira, em dias de pouca visibilidade, era um convite à morte para o transeunte. Havia “pilotos” por toda cidade. Era o que se via aos domingos, ao redor das praças, na avenida principal. Os caras reclinavam os bancos do carro, punham um som da pesada, davam voltas, voltas, e mais voltas pela avenida... e bebiam. Uns brigavam, outros corriam de carro. Eu não tinha carro, emprego, não gostava de discussão, eu não tinha namorada.

A chuva ficou mais pesada quando eu alcancei a Morais Moreira, última rua antes da Av. Brasil. Meus papéis estavam muito bem protegidos por um saco plástico. Não podia adiar esse compromisso com a contadora. Precisava dar baixa na empresa que abri com meu pai há alguns anos.

Nunca emitimos nota. Pagávamos uma anuidade ao escritório e a contadora fazia a nossa declaração do imposto de renda; era isso. Meu pai me culpava por induzi-lo à abrir essa empresa. Ela não tinha movimento, e no final do ano ele tinha que desembolsar uma grana. Ficava puto. Sempre fui tranquilo enquanto a isso. O que me incomodava, realmente, era essa situação molhada e fria; era dar um fim à essa empresa fictícia; era arrumar um novo lar pro meu cão; era mudar de casa mais uma vez.

Na parada da Av. Brasil havia um ônibus recém chegado. Já faz um tempo, mas acho que gastei uns dois pila$ na passagem até o centro.

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